CADA TERRA COM SEU USO

Quando passei para a segunda classe recebi uma caneta de tinta permanente.

Acabava-se a tortura de dosear no aparo a tinta necessária, de cada vez que acedia ao tinteiro, acessório integrado na carteira da escola.

Comecei a frequentar a terceira escola do meu percurso académico no segundo período da minha segunda classe, no concelho de Gondomar. O contacto com alunos e professores de várias escolas habituou-me, desde cedo, à diversidade de ser e de estar das pessoas com quem ia contactando, o mesmo se dando com as amizades que os meus pais iam angariando.

A língua padrão veiculada na escola através de discursos escritos e orais nem sempre era a mesma que circulava à hora do recreio. Logo no primeiro dia deparei-me com um termo que desconhecia e, chegada a casa, tentei tirar as dúvidas com a minha mãe: “o que é um c**alho?” A minha mãe, que tinha uma pele alvíssima, corou dos pés à cabeça.

- Maria Joana (vocativo, alternativo ao do segundo nome próprio em diminutivo, usado habitualmente, indicando, de imediato, ATENÇÃO! PERIGO!): essa palavra não se diz!

Meio esclarecida, lá prossegui o meu enriquecimento lexical…

Certa manhã, entre o lanche e a brincadeira, no pátio da escola, reparei que uma colega, que ainda não tinha acesso à tecnologia avançada da escrita manual, como eu, tinha um borrão de tinta azul no bolso. Avisei-a do facto, dizendo-lhe que tinha a bata borrada. Sentindo-se ofendida foi queixar-se à professora. Fui chamada à atenção, pela nossa senhora, e advertida para o caso de, voltando a dizer asneiras, poder levar umas reguadas!

Mas, para mim, a situação que mais prazer me deu aconteceu numa loja perto de casa. No tempo em que as crianças iam fazer recados, com moedas no bolso e, além de trazer para casa o pedido, tinham que dar conta do troco. Fui ao pomar, onde eram vendidos legumes e fruta e, ainda, pão. Adorava ver uma broa enorme ser fatiada e cada porção ser vendida a peso, a cada cliente. Era uma imagem que aparecia nos livros da escola, iniciando o tema e a resolução de exercícios de números fraccionários. Quando chegou a minha vez lá pedi um papo-seco.

- Não temos!

Aceitando a resposta, e porque nenhum estava à vista, virei-me e aproximei-me da porta. Mas a senhora, comerciante nata, perguntou-me o que era isso.

- É um pão pequenino que se come com manteiga…

- Ah! Temos sim, mas nós chamamos-lhe moletes!

Imagem
sem marca de referência, lata oitavada, fundo azul escuro com chávenas em branco, na tampa, imagem de um bule (10,5cmX13,5cmX9,5cm); cesto com asa com estampas idênticas à lata maior (5,5cmX8,5cm).